domingo, 4 de outubro de 2009

Exposição de pinturas de Clarice Lispector

Há pouco tivemos, no Rio, uma exposição das pinturas de Clarice Lispector no Instituto Moreira Salles.

O IMS, por si só, já vale a visita. Confiram abaixo:






A exposição dos quadros de Clarice ocupava área fisicamente pequena mas muito expressiva e significativa.

Clarice Lispector começa a se dedicar à pintura em 1975. Segundo Nádia Gotlib, neste ano, Clarice teria pintado durante dois ou três meses, como passatempo. Entre 1975 e 1976, pintou 16 quadros. As obras mostram coerência com o que escrevia na época e vão estar presentes em Um sopro de vida. Para Gotlib: Clarice se expressa "na pintura, detendo-se em cores e linhas, com manchas fortes, em construção que indicia inquietação e turbulência interior".

De fato, como Clarice, não é uma exposição qualquer. Impacta! Causa estranheza, mal estar. Mesmo quandoquer transmitir alegria ou leveza, pode ser pesada. De novo Gotlib: "As cores são lúgrubres e distribuem-se num teio carregado. Nem atraem pela combinação das cores ou pelo ritmo do traçado das linhas. Impressiona a carga pesada, funesta, lúgubre. (...) Os títulos por vezes são mais felizes que a composição pictórica".




"Caos metamorfose sem sentido".




"Escuridão e luz".




"Explosão".


Tem quadros pintados com guache em cima de um compensado. Há algo de muito caseiro. O compensado é bastante visível.

É dificil escrever a sensação de se ver o conjunto dos quadros. Arte "naïf", desenho de criança.... Produção do Museu do Inconsciente de Nise da Silveira? Encanta, fascina, perturba, atrai, questiona.... nos questiona.




"Medo".
Quem diz o que é isso? Sem dúvida, provoca reações.

Sobre o quadro "Terror", que estava na exposição como "Medo", Clarice escreve: "Pintei um quadro que uma amiga me aconselhou a não olhar porque me faria mal. Concordei. Porque neste quadro que se chama medo eu conseguira pôr pra fora de mim, quem sabe se magicamente, todo o medo-pânico de um ser no mundo. (...) É uma tela pintada de preto tendo mais ou menos ao centro uma mancha terrivelmente amarelo-escuro e no meio uma nervura vermelha, preta e de amarelo-ouro. Parece uma boca sem dentes tentando gritar e não conseguindo. Perto dessa massa amarela, em cima do preto, duas manchas totalmente brancas que são talvez a promessa de um alívio. Faz mal olhar este quadro".

O fragmento Quero Escrever o Borrão Vermelho de Sangue diz: "Quero escrever o borão vermelho de sangue com as gotas e coágulos pingando de dentro para dentro. Quero escrever amarelo-ouro com raios de translucidez. Que não me entendam pouco-se-me-dá. Nada tenho a perder. Jogo tudo na violência que sempre me povoou, o grito áspero e agudo e prolongado, o grito que eu, por falso respeito humano, não dei. Mas aqui vai o meu berro me rasgando as profundas entranhas de onde brota o estertor ambicionado. Quero abarcar o mundo com o terremoto causado pelo grito. O clímax de minha vida será a morte".

Este escrito me remeteu ao quadro "Luta sangrenta pela paz":



James Joyce tinha a proposta declarada de ocupar acadêmicos e estudiosos por mais de cem anos. Clarice expressou querer chegar ao cerne da língua portuguesa. Penso ter chegado, sem subverter a sintaxe, como defendi em minha dissertação de mestrado. E ocupará muitos para sempre, como Joyce.

Tentou outras coisas.


"Tentativa de ser alegre"



"Pássaro da liberdade".

Quadros silentes e comoventes!

Em Um Sopro de Vida, Angela Pralini é escritora e pintora. Interage com o Autor. Neste livros, podemos ler:
  • Minha vida é feita de fragmentos e assim acontece com Angela. (...) Seria a história da casca de uma árvore e não da árvore".
  • Angela é minha necessidade.
  • Eu inventei Angela porque preciso me inventar.
  • Nenhum ato me simboliza.
  • Angela será um ato que me representará.
  • O fato é que vou aproveitar a espécia de audácia de Angela para eu mesmo ousar um pouco de louco mas com a garantia de "voltar".
  • A realidade é muito estranha, é inteiramente irreal.
Clarice pintora tão instigante quanto a escritora!

Outra citação: "O que me descontrai, por incrível que pareça, é pintar. Sem ser pintora de forma alguma, e sem aprender nenhuma técnica. Pinto tão mal que dá gosto e não mostro meus, entre aspas, quadros, a ninguém. É relaxante e ao mesmo tempo excitante mexer com cores e formas sem compromisso com coisa alguma. É a coisa mais pura que faço. (...) Acho que o processo criador de um pintor e do escritor são da mesma fonte. O texto deve se exprimir através de imagens e as imagens são feitas de luz, cores, figuras, perspectivas, volumes, sensações".

Clarice: ainda bem que suas pinturas foram mostradas e tive a oportunidade de vê-las.

Os textos e fotos até agora colocados são de livros publicados e registros de imagens do Google. Seguem fotos pessoais da visita que foi muito boa, com os amigos que me acompanharam.

















E um quadro que define tudo:


"Sem nome"


Clarice forever!!


3 comentários:

  1. Denise,
    Adorei o comentário sobre Clarice!!!
    beijos Daisy

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  2. Será este blog fruto de uma necessidade, de um ato que a represente, de uma forma de se inventar?
    A inauguração com Clarice é Bem-Vinda. O seu "medo" lembrou-me o "grito" de Munch.
    Rever o Inst. M. Salles conduziu-me ao documentário "Santiago",realizado por João M. Salles. Estranhamente, tem algo em comum com o mundo de Clarice.
    Nilza Queiroz

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  3. Nilza: "Medo" lembra mesmo o "Grito".
    Obrigada pela visita e participação.
    Bjos

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